Meta de inflação atual é irrealista, e ideia de Lula é acertada, diz banqueiro
“Temos que ser realistas. O Brasil nunca teve uma inflação consistentemente abaixo de 4%”, diz o fundador do BR Partners Ricardo Lacerda
JOANA CUNHA
SÃO PAULO, SP
A ideia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de mudar meta de inflação para conter a taxa de juros, reiterada nesta quinta (6), é acertada, na opinião de Ricardo Lacerda, fundador do BR Partners.
Para o banqueiro, que tem sido um dos porta-vozes da preocupação do empresariado com a deterioração do crédito, uma meta de 4,75% ou 5,25% seria mais adequada ao momento e permitiria um ajuste na política monetária. “Temos que ser realistas. O Brasil nunca teve uma inflação consistentemente abaixo de 4%”, diz Lacerda.
O sr. tem manifestado preocupação com o crédito. Qual é a perspectiva?
Estou muito preocupado com a velocidade da deterioração. No ano passado já vimos o início dessa deterioração no crédito de pessoas físicas. Agora estamos vendo forte deterioração no balanço das empresas.
Grandes empresas estão cortando investimentos. Médias e pequenas estão sendo sufocadas pela enorme carga de juros. Está acontecendo de maneira muito rápida e preocupante.
O Banco Central exagerou? O sr. vê viés político?
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Não vejo nenhum viés político. Acho que o BC tomou decisões técnicas acertadas quando promoveu o corte de juros e agora quando fez o aperto monetário. Mas isso é tanto uma arte quanto uma ciência.
A política monetária leva em conta vários elementos que atuam na economia em timings diferentes. Então é preciso monitorar esses impactos e fazer os ajustes. Na minha visão, por diversos fatores, o nível atual de juros está completamente descalibrado.
O BC tem seus modelos e saberá como atuar. Economistas que eu respeito dizem que ainda não chegou a hora de baixar juros e que os modelos não mostram risco de uma crise de crédito. Mas eu interajo diariamente com empresas de todos os portes e estou vendo uma situação muito grave, com risco iminente de uma crise.
Acho que o BC deveria levar isso em conta, pois é um movimento que pode trazer um choque à economia.
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BR Partners tem atuado em processos de restruturação de dívidas de empresas. Como isso está avançando?
Eu acho que é baixa a chance de uma crise sistêmica. A maioria desses processos envolve apenas reperfilamento de dívida. Tivemos a maior subida de juros no menor espaço de tempo da nossa história. Pegou muitas empresas no contrapé. É natural que se façam ajustes. A maioria dessas restruturações reflete situações mais conjunturais do que estruturais, de correção relativamente rápida.
E as declarações de Lula sobre rever a independência do Banco Central?
Não creio nessa hipótese nem na sua viabilidade política. A independência do Banco Central foi uma grande conquista da sociedade brasileira e não deve ser revista.
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O debate atual sobre os juros é saudável para o país e as coisas vão se ajustar naturalmente na gestão de política monetária. Seria loucura jogar pela janela a independência do Banco Central, um retrocesso que custaria ao Brasil em termos de credibilidade.
Quando Lula começou a criticar os juros e a independência do Banco Central, o sr. disse que a política monetária é mero reflexo da irresponsabilidade fiscal em que o país mergulhou e que o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, é o último bastião contra a insanidade de políticas econômicas. O sr. afirma que o debate sobre os juros é saudável, mesmo com as falas de Lula nesse sentido?
Estamos falando de um filme, não de uma foto. O Banco Central acertou no aperto monetário, principalmente diante de uma política fiscal irresponsável que já havia começado no final do governo Bolsonaro e se agravou com a defesa de gastos do presidente Lula.
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Mas quando fiz esse comentário o cenário era outro, agora os mercados estão se fechando, com redução alarmante dos níveis de liquidez. Há um estudo excelente do analista Pedro Leduc, do banco Itaú, mostrando que os spreads bancários dobraram a partir do final do ano passado. Isso está pesando muito no balanço das empresas e nos colocando à beira de uma crise. É preciso levar essa deterioração em consideração.
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O que acha da ideia, reiterada pelo presidente Lula, de mudar a meta de inflação?
Acho que é acertada. Temos que ser realistas. O Brasil nunca teve uma inflação consistentemente abaixo de 4%. A meta atual é claramente irrealista, ainda mais em um cenário de inflação mundial em níveis pós-pandemia. Eu creio de uma meta de 4,75% ou mesmo 5,25% seria muito mais adequada ao momento e permitiria um ajuste na política monetária.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que o plano fiscal do governo vai “exigir, mais do permitir, uma queda na taxa de juros”. O sr. concorda com essa colocação? Abre espaço para a queda?
O ministro Haddad está fazendo um excelente trabalho e merece ser parabenizado pelo esforço fiscal. Eu acho que a queda de juros tem que vir independentemente da aprovação do novo arcabouço, mais pela crise de crédito mesmo.
Mas eu achei o novo arcabouço correto, ambicioso nas metas e no conceito de buscar superávits fiscais agressivos. Agora é esquecer a discussão do conceito, já que cada um tem sua ideia, e buscar cumprir o que foi proposto.
RAIO-X
É sócio-fundador e presidente do BR Partners, foi chefe do banco de investimentos do Citi na América Latina (2007-2009) e no Brasil (2005-2009). No Goldman Sachs, foi diretor-presidente no Brasil (2001-2005) e vice do banco de investimento em NY (1996-2001). Tem graduação em administração e mestrado pela Universidade Columbia.
CÒDIGO DE CONVITE: 199695017