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Decisão do TCU sobre abono salarial pode gerar pressão de R$ 27,9 bi no Orçamento

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Uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) para regularizar o calendário de pagamento do abono salarial pode gerar uma pressão de pelo menos R$ 27,9 bilhões no Orçamento.

A corte de contas expediu uma determinação para que o Executivo pague o benefício no ano seguinte à aquisição do direito pelo trabalhador -se ele atuou com carteira assinada em 2023, por exemplo, o repasse deveria ser feito em 2024. Hoje, o desembolso ocorre no segundo ano (no caso do exemplo, 2025).

A ordem da corte de contas significa, na prática, que o governo pode ter de pagar, em um único ano, o equivalente a duas folhas de abono salarial, programa que tem custo estimado em R$ 27,9 bilhões neste ano e R$ 30,6 bilhões no próximo ano.

O abono é uma espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos (o equivalente hoje a R$ 2.824 mensais).

O tribunal não especificou em qual exercício o governo precisa atender à determinação, mas o TCU costuma fazer o acompanhamento anual dessas medidas. Eventual descumprimento pode gerar motivos de ressalva na análise das contas do presidente da República.

A decisão pegou a equipe econômica de surpresa, uma vez que não há espaço no arcabouço fiscal para acomodar o gasto extra, que já é chamado de “bomba fiscal” nos bastidores. O Executivo deve apresentar recurso pedindo que o plenário da corte de contas reexamine a questão.

Procurado, o Ministério do Planejamento e Orçamento disse que as áreas técnicas da pasta “estão avaliando os possíveis impactos da referida decisão no Orçamento, bem como as medidas pertinentes a serem tomadas”.

Os ministérios da Fazenda e do Trabalho não se manifestaram até a publicação deste texto.

A decisão sobre o abono tem como pano de fundo uma mudança na regra de pagamento do benefício feita em 2021. A alteração ajudou o governo de Jair Bolsonaro (PL) a liberar um espaço de R$ 7,4 bilhões para negociar emendas parlamentares e expandir gastos um ano antes de tentar a reeleição.

Na época, o calendário de pagamento do abono era dividido: metade no ano seguinte ao reconhecimento do direito, metade no segundo ano. Isso rachava o empenho da despesa, permitindo ao governo reconhecer um direito sem reservar espaço no Orçamento para honrá-lo.

O formato estava em vigor desde 2015, quando o governo Dilma Rousseff (PT) adiou parte da despesa por causa de restrições fiscais. Antes disso, o abono era pago integralmente no ano seguinte à verificação do direito.

Em duas auditorias, de 2020 e 2021, a CGU (Controladoria-Geral da União) disse que a divisão do empenho do gasto com o abono era inadequado e recomendou reservar o valor integral no momento da apuração de quais trabalhadores tinham direito ao abono.

Seguir essa orientação teria um custo adicional de R$ 12,77 bilhões em 2021, num momento em que Bolsonaro já estava sob pressão para afrouxar a regra do teto de gastos então em vigor.

A decisão foi empurrar todo o calendário para 2022. Técnicos à época viram a mudança como uma espécie de pedalada.

Ao analisar a alteração feita por Bolsonaro, os auditores do TCU consideraram irregular o adiamento do abono e sugeriram a determinação para regularizar o calendário. O relator, ministro Aroldo Cedraz, acatou o parecer técnico e foi acompanhado pelos demais ministros na decisão.

Os auditores pontuaram no relatório que a alteração foi feita pensando no espaço orçamentário e que os gestores “não lograram êxito em demonstrar ser imprescindível” fazer a apuração dos valores devidos apenas no segundo ano.

Os técnicos ainda lembraram que, até 2014, sempre foi perfeitamente possível pagar o abono no ano seguinte ao período trabalhado.

O entendimento do tribunal ainda pode respingar em outras rubricas do Orçamento que registram problema semelhante.

Como revelou a Folha de S.Paulo, o governo Bolsonaro deixou um esqueleto de R$ 6,3 bilhões do seguro-desemprego para a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pagar no início de 2023 em razão de insuficiência de recursos disponíveis.

Integrantes do governo Lula veem o problema do abono como uma “herança do governo Bolsonaro”, mas nem por isso concordam com a decisão do TCU. Os técnicos do Executivo veem dois problemas principais.

O primeiro deles é fiscal. A equipe econômica anunciou em março um bloqueio de R$ 2,9 bilhões no Orçamento justamente para acomodar o crescimento de outros gastos obrigatórios. A trava impõe uma contenção nas despesas discricionárias, como custeio e investimentos.

O Executivo já conta com a abertura de um crédito adicional de R$ 15,7 bilhões, permitido pela lei do arcabouço fiscal a partir da melhora da arrecadação em 2024, para desfazer o bloqueio e acomodar uma série de outras pressões -inclusive um acréscimo em emendas parlamentares.

Pagar uma folha extra de abono salarial neste contexto poderia levar à necessidade de remanejar recursos e impor um corte adicional de pelo menos R$ 27 bilhões em outras políticas públicas, algo tido como insustentável.

Técnicos do governo também evitam falar na possibilidade de pedir uma autorização especial para pagar o valor fora do limite de despesas. Além de discordarem da decisão do TCU no mérito, esse caminho poderia gerar ruído em um momento em que outras mudanças no arcabouço fiscal já geraram questionamentos sobre a credibilidade da regra.

O segundo problema é técnico. O governo entende que o TCU e a própria CGU, ao abordar o problema em suas auditorias, confundiram conceitos: uma coisa seria o reconhecimento do passivo, uma questão de balanço patrimonial, e outra diferente seria a previsão orçamentária para quitar esse passivo.

Integrantes do governo também argumentam que há desafios operacionais para agilizar o reconhecimento do direito ao abono salarial.

Esses interlocutores endossam a preocupação manifestada em uma nota técnica de 2021, enviada ao TCU pela então Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, de que antecipar o processamento das parcelas do abono poderia gerar pagamentos indevidos.

A nota diz que a entrega das informações pelos empregadores e a depuração dos dados ocorrem no primeiro semestre de cada ano, para que o pagamento se inicie no segundo semestre. Há, porém, a possibilidade de transmissão extemporânea de informações até o mês de setembro.

O governo argumentou que haveria risco de pagar o abono a um trabalhador com base na primeira verificação, mas concluir depois que o repasse foi indevido ao identificar novos vínculos e remunerações incluídas apenas na segunda leva de declarações.

Outro problema, pontuou a nota da época, seria não pagar o abono a um trabalhador que tem direito, mas só teve as informações enviadas na transmissão extemporânea.

O julgamento do TCU ocorreu em 27 de março, e o Executivo foi notificado oficialmente da decisão no dia 5 de abril. O governo tem um prazo de 15 dias para solicitar o reexame.

IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

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