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Sem soja e com Milei, vendas de produtos brasileiros para a Argentina despencam 30%

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Contando com uma colheita robusta de soja neste ano e ainda sob os efeitos do ajuste promovido pelo governo de Javier Milei, a Argentina diminuiu drasticamente a compra de produtos brasileiros.

De janeiro a abril, as exportações para o país caíram 29,9% ante o mesmo período de 2023, totalizando US$ 3,91 bilhões (R$ 20,1 bilhões).

Com isso, os vizinhos, que são os terceiros principais compradores dos produtos brasileiros, se aproximaram do quarto colocado, a Holanda, cujas compras somaram US$ 3,5 bilhões (R$ 18 bilhões).

Os dados são do Comex Stat, do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
Um fator atípico que ajuda a explicar essa queda em 2024 é o aumento da venda de soja à Argentina que ocorreu em 2023, após uma severa seca que o país vizinho enfrentou.

No primeiro semestre do ano passado, o país chegou a se tornar o segundo principal destino da oleaginosa brasileira, já que sua indústria buscava matéria-prima de fora para manter as atividades.
Em 2024, este problema não existe, e o governo Milei conta com a safra para ajudar na entrada de dólares.

As vendas do Brasil para a Argentina foram US$ 1,66 bilhão (R$ 8,54 bilhões) menores no primeiro quadrimestre ante o mesmo período de 2023 –dessa diferença, cerca de 28% correspondem à redução nos embarques de soja.

Acontece que o mercado argentino é especialmente importante para a indústria brasileira, que tem no país vizinho um cliente de seus produtos manufaturados, e o ajuste imposto pelo novo governo tem afetado essas compras.

No primeiro quadrimestre, segmentos importantes da indústria tiveram queda nas vendas. No de partes e acessórios de veículos automotivos, por exemplo, ela foi de 25%; no de automóveis de passageiros, de 22,1%; no de papel e cartão, 33,6%; em motores de pistão, 23,9%.

O economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), lembra que, além da fase de ajustamento contracionista para tentar conter a inflação e assegurar uma nova ajuda do FMI (Fundo Monetário Internacional), o governo argentino promoveu a desvalorização de 54% do peso na virada do ano, encarecendo as importações.

“Um agravante é que o ramo automobilístico, que é importante nas relações comerciais destes países, exige condições adequadas de financiamento e confiança dos seus consumidores para que sua demanda se efetive. A instabilidade do mercado argentino tende a adiar ou bloquear decisões de compra desses produtos.”

Além disso, a concorrência chinesa exerce pressão sobre os mercados latino-americanos em geral, ainda mais diante do aumento de barreiras comerciais nos Estados Unidos, o que inclui veículos, diz o economista.

“Este provavelmente vai ser um ano perdido para as vendas brasileiras à Argentina”, avalia o presidente-executivo da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro.
“Eles precisam de dólares e a alternativa é exportar mais do que importar. Até o fim do ano, é provável que esta queda de 29,9%, registrada até abril, diminua –vai continuar caindo, só que menos”, diz.

Um exemplo dessa queda está no setor calçadista. De janeiro a abril, a Argentina comprou 3 milhões de pares de calçados brasileiros, que somaram US$ 62 milhões (R$ 318,9 milhões), o que representa uma perda de 39,2% em volume e de 24,9% em receita ante o mesmo período de 2023.

“Não acreditamos em uma recuperação no curto prazo, pois são problemas estruturais. Neste ano, certamente registraremos quedas em maior nível do que a registrada nas exportações de calçados em geral, que devem cair entre 5% e 9%”, diz o presidente-executivo da Abicalçados (associação que representa o setor), Haroldo Ferreira.

A única boa notícia para o setor é o aumento do preço médio do calçado brasileiro embarcado para lá, que cresceu mais de 23% no período, chegando a US$ 20,53 (R$ 105,60).
Já a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) avalia que as vendas de produtos brasileiros aos argentinos registraram uma queda de quase 50% de janeiro a março, na comparação com o mesmo período de 2023.

Os brasileiros não foram os únicos afetados no período. Quando consideradas as importações da Argentina vindas de todos os países, a queda nos primeiros quatro meses do ano é de 23,8%, segundo o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos).

Em bens de capital (máquinas e equipamentos), a redução foi de 15,5%; em bens intermediários (alimentos e bebidas para a indústria e medicamentos), de 21,5%.
Já quando observadas as vendas de combustíveis e lubrificantes, a queda é de 65%; nas peças e acessórios para bens de capital, de 20,2%.

INDÚSTRIA LOCAL TAMBÉM SENTE EFEITOS DE AJUSTES

A indústria local também reflete a queda das importações. Em março, o segmento manufatureiro registrou redução de 21,2%, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, com destaque para móveis e colchões (redução de 40,4%).

Também se destacam negativamente os segmentos de máquinas e equipamentos (perda de 37,9%) e produtos minerais e metálicos (queda de 35,8%), ainda de acordo com o Indec.

O de veículos, carrocerias e autopeças (de maior importância para o Brasil) registrou perdas de 25,2%. Em março, o índice de atividade econômica no país caiu 8,4%, ante o mesmo mês de 2023.

No longo prazo, as reformas propostas por Milei preveem uma abertura comercial e facilitação de importações, o que é visto por representantes da indústria argentina como um convite para que o país seja inundado por produtos asiáticos nos próximos anos.

Como reflexo dos ajustes, a redução de atividades econômica, como na construção civil, na Argentina é quase sem precedentes, com o declínio recente no mesmo nível da pandemia.

A interrupção das obras públicas é um exemplo. Ela tem sido uma parte fundamental do reequilíbrio do Orçamento, mas também gera um custo alto para a economia e os trabalhadores.

Dos 2.417 projetos que receberam fundos públicos no final do ano passado, apenas 300 eram financiados em fevereiro, de acordo com dados oficiais. A construção representa cerca de 10% do total de empregos.
Segundo Gustavo Weiss, presidente da Camarco (câmara de negócios da construção), a perda chega a 10 mil empregos por mês.

INFLAÇÃO DESACELERA, ENQUANTO ECONOMIA PERDE FÔLEGO

O presidente argentino herdou uma grande crise econômica do peronista Alberto Fernández.

Na última semana, os dados oficiais mostraram uma desaceleração da inflação de abril, atingindo 8,8% no mês. Em 12 meses, no entanto, a alta de preços se aproxima dos 300%.

Lojistas e consumidores dizem que, embora as leituras mensais tenham desacelerado desde o pico de mais de 25% em dezembro, a mudança ainda não foi totalmente sentida.

Mesmo economistas mais alinhados com o pensamento do presidente questionam se a queda da inflação é sustentável e se o preço do ajuste não está recaindo com violência sobre os trabalhadores.
Para 2024, a previsão do FMI para o país é de uma queda de 2,8% no PIB (Produto Interno Bruto), impactado pela grave crise interna, desemprego e baixo poder aquisitivo.

“No desespero, fomos um pouco longe demais no ajuste”, reconheceu Milei, em um evento com executivos argentinos do setor financeiro nesta semana.

“Agora que estamos baixando a inflação, sim, claro, há desemprego. Obviamente [isso vai acontecer], se estamos limpando o lixo que foi feito nos últimos 20 anos”, defendeu-se o presidente.

Com mais de cinco meses de duração, o governo está enfrentando atrasos em seus planos de reformas e tem esperança de firmar um pacto com governadores regionais.

Em um movimento recente, Milei lançou um projeto de conciliação com os governos provinciais, chamado de “Pacto de Maio”, e que tinha previsão de ser assinado neste sábado (25), mas foi adiado pelo governo.

Entre os principais pontos do acordo estão a rediscussão da partilha de impostos entre as províncias, uma reforma tributária e a facilitação da exploração de recursos naturais.

O governo atrelou o pacto à aprovação da nova Lei de Bases, que traz profundas reformas para o país e é considerada uma peça-chave para Milei, mas que emperrou no Senado.

DOUGLAS GAVRAS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

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