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Volta do emprego é mais lenta que procura pelo Bolsa Família

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Antes e depois da pandemia, no Nordeste, o número de beneficiários do programa social saltou para 9,773 milhões em janeiro de 2023

Cleiton Rocha, Diana Yukari e Douglas Gavras

A retomada do emprego formal tem sido mais lenta no pós-pandemia do que a procura pelo Bolsa Família nas regiões Norte e Nordeste do país, segundo levantamento do DeltaFolha, que cruzou registros do Portal da Transparência, da CGU (Controladoria-Geral da União) e do Ministério do Trabalho.

Os dados mostram que os empregos com carteira assinada nas duas regiões cresceram gradualmente. Ao mesmo tempo, o número de beneficiários do Bolsa Família teve um salto em 2022.

Os movimentos, que divergem do observado no restante do país, acendem o alerta para o descompasso entre o número de pessoas contribui com a Previdência e o daquelas que recebem recursos do Estado.

Para as comparações, foi analisado, além dos dados do Bolsa Família, o estoque de emprego do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que considera a quantidade de pessoas com carteira assinada atuando na iniciativa privada e no setor público.

Antes e depois da pandemia, no Nordeste, o número de beneficiários do programa social saltou de 6,758 milhões em janeiro de 2020 para 9,773 milhões em janeiro de 2023 (aumento de 44,6%). Já o estoque de empregos formais era de 6,062 milhões e subiu para 7,006 milhões (alta de 15,6%).

A diferença entre empregados e inscritos no programa já vinha crescendo nos últimos anos, mas é a partir do início de 2022, um ano após o início da vacinação no Brasil, que o descolamento entre os dois grupos fica mais visível.


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Naquele momento, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha acabado de substituir o Bolsa Família, marca dos governos petistas, pelo Auxílio Brasil, em busca de votos entre os eleitores de baixa renda.

Bolsonaro acabou derrotado nas urnas e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito para seu terceiro mandato, tendo a recriação do Bolsa Família, em março deste ano, como uma das suas primeiras medidas.

O petista venceu em todos os estados nordestinos e em 3 dos 7 estados do Norte, no segundo turno de 2022. De janeiro de 2022 a janeiro de 2023, os participantes do programa de transferência de renda no Nordeste subiram 18,67%, enquanto o estoque de carteira assinada aumentou 5,47%.

Já no Norte, os beneficiários aumentaram 48,97%, passando de 1,701 milhão no início de 2020, pré-pandemia, para 2,534 milhões em janeiro deste ano. Para os trabalhadores com carteira, a alta foi de 18,39%, de 1,726 milhão para 2,043 milhões no mesmo período.


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Na região, também houve um descolamento a partir do ano passado: a procura pelo Bolsa Família cresceu 27,1%, enquanto o estoque de empregos formais aumentou 5,55%. Com isso, a diferença entre beneficiários e celetistas cresceu 73,7% entre os nordestinos e 243,1% no Norte de 2022 a 2023.

O movimento mostra um descolamento também na comparação com o restante do país. Nas outras regiões, os beneficiários do Bolsa Família e os empregados com CLT têm se comportado de forma parecida.

No Centro-Oeste e no Sudeste, a diferença entre empregos e beneficiários até caiu de janeiro de 2022 a janeiro de 2023: 0,8% e 2,9%, respectivamente. No Sul, a diferença ficou praticamente estagnada, crescendo 0,3%.

“Vim para guardar dinheiro, mas quero voltar assim que possível”, conta Eunice de Castro, 22. Nascida no interior da Bahia e filha de beneficiários do Bolsa Família, ela saiu cedo de casa, na zona leste de São Paulo, e aguarda a sua vez em uma agência de empregos no centro da cidade. “O programa é muito importante para quem mais precisa e me deu liberdade para seguir estudando, ter uma chance”, diz ela.


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O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social (da Fundação Getulio Vargas), lembra que o número de beneficiários do Bolsa Família teve um aumento significativo nos últimos anos, chegando a equivaler cerca de metade dos empregos formais reportados no Caged. “Simultaneamente, um outro movimento ajuda a explicar essa convergência: o número de trabalhadores por conta própria passou de 20 milhões para 25 milhões em dez anos.”

Neri ressalta que a questão que se impõe é como sustentar fiscalmente esse cenário em que a parcela da população que recebe recursos públicos aumenta em algumas regiões e municípios mais que a parcela que contribui para a Previdência e com impostos.

Estão no Nordeste 5 das 10 áreas do país em que a diferença entre os beneficiários do Bolsa Família e os empregados com carteira assinada mais cresceu entre 2022 e 2023.


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A delimitação dessas áreas foi feita pelo DeltaFolha. O levantamento optou por dividir os dados em regiões geográficas imediatas (conjuntos de municípios que têm um centro urbano como base) em vez de compilar dados apenas das cidades, para reduzir distorções nas comparações entre municípios com populações de tamanhos muito diferentes.


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São Vicente incentiva MEI para contornar problema

Isso aconteceu, por exemplo, em São Vicente, no litoral paulista. Na cidade, o incentivo à formalização de trabalhadores por conta própria foi uma das alternativas para compensar a baque que o fechamento de pousadas, hotéis e restaurantes durante a pandemia provocou no emprego com carteira.

“Tivemos um aumento de 84% de microempreendedores individuais, na comparação com o pré-pandemia. A pessoa pode não ter um emprego CLT, mas queremos que ela possa abrir um negócio, empreender e se manter”, diz Fernando Paulino, secretário de Emprego, Trabalho e Renda da cidade.

Ele destaca que a prefeitura tem feito ações de formalização, sobretudo, voltadas às mulheres. “Um ramo que está aquecido em São Vicente é o da beleza, temos ido de forma itinerante nos bairros conversar com empreendedoras e acredito que o trabalho por conta própria vai ser a nova realidade do país inteiro.”

A relativa lentidão na recuperação de empregos formais está relacionada com a predominância da informalidade em determinadas regiões, avalia Flávia Santana Rodrigues, supervisora técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) em Sergipe.

“Boa parte das ocupações dependem do setor de comércio e de serviços, profundamente afetados durante a pandemia de Covid-19, já que a maior parte desses estabelecimentos teve de permanecer fechada durante a fase mais crítica da pandemia”, diz.

Rodrigues diz acreditar que a consolidação do Bolsa Família em R$ 600 e o benefício auxiliar de R$ 150 por criança, que o presidente Lula havia indicado ainda na campanha, devem ajudar a dinamizar a atividade econômica e o mercado de trabalho, sobretudo no Nordeste.

Revisão de benefícios deve diminuir número de beneficiários

Em 2022, às vésperas da eleição, o governo Bolsonaro elevou o então Auxílio Brasil para R$ 600 até o fim do ano. Eleito, Lula manteve o valor, agora novamente com o nome de Bolsa Família.

Ao mudar as regras do programa, o governo anterior também favoreceu a divisão artificial de famílias e o programa viu explodir o número de lares unipessoais -formado por apenas uma pessoa. Com a vitória petista, o governo tem revisto benefícios concedidos irregularmente.

Em fevereiro, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, afirmou que havia indícios de que 2,5 milhões de famílias recebiam o benefício de forma indevida. “Foi desmantelado o cérebro do Cadastro Único. É como se tivesse uma bagunça para perder o controle.”

“Estamos buscando essa recuperação, Feira é uma cidade forte em serviços e em comércio e tem mais de 1.200 indústrias instaladas, além de ter uma área logística importante. Temos 128 mil inscritos no Bolsa Família e alguns municípios menores são dependentes”, diz Colbert Martins Filho (MDB), prefeito de Feira de Santana (BA).

“A expectativa é de redução, há uma estimativa de que mais de 30 mil podem ser desligadas do programa pelo governo”, diz Martins Filho, que também conta que a manutenção dos R$ 600 levou a uma melhora no setor de construção da cidade, com a ampliação de casas e construção de lajes.

Naércio Menezes Filho, pesquisador do Insper e especialista em mercado de trabalho e distribuição de renda, avalia que o Bolsa Família funciona como indutor de emprego, ao contrário das críticas que costumam ser feitas ao programa.

“As pessoas consomem, aumenta a receita dos pequenos empreendimentos, os donos contratam mais e assim por diante. Vários estudos mostram que o aumento do Bolsa Família não reduz a procura por trabalho, não parece haver um efeito de acomodação.”

Segundo ele, o que parece ocorrer no descompasso entre o número de beneficiários e a recuperação do mercado de trabalho é a diminuição do emprego formal em alguns municípios, que pode causar aumento da pobreza e da fome.

“Isso tem a ver com uso de robôs e máquinas que estão substituindo o trabalho que era feito por pessoas de nível intermediário. Um exemplo típico é o setor de call center no Nordeste, que contratou muita gente, tinha incentivos e desoneração e agora as máquinas estão fazendo esse serviço.”

Na região metropolitana de Aracaju (SE), o município de Nossa Senhora do Socorro tenta contornar os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho da cidade, que também foi afetado pela queda de turismo.

De acordo com o levantamento, a microrregião de Aracaju tinha 169,3 mil de inscritos no Bolsa Família em janeiro deste ano, ante 219,5 mil de empregos formais -e essa diferença tem diminuído ano a ano, desde a pandemia.

A prefeitura criou um programa de recursos humanos gratuito, que ajuda na triagem de currículos para vagas em cerca de 40 empresas cadastradas. Na época da pandemia e do Auxílio Emergencial, quando o benefício chegou a R$ 1.200, algumas empresas tiveram dificuldade de recrutar para as entrevistas.

“Mas agora está mais fácil, no ano passado, foram mais de 1.500 inseridos no mercado. A cidade oferece treinamento para entrevistas e elaboração de currículos e cede uma sala para a seleção, caso a empresa precise”, diz Mônica de Menezes, secretária do Trabalho.

Entenda o Bolsa Família

O que é?
Bandeira do primeiro governo Lula, programa foi relançado em 2023. Ele busca garantir renda básica para famílias em situação de pobreza e se propõe a fortalecer o acesso à saúde, educação e assistência social

Quem pode receber?
A renda de cada pessoa da família deve ser de até R$ 218 por mês. Ou seja, toda a renda da família, dividida pelo número de pessoas, deve ter esse limite. Quem tem carteira assinada também pode receber

Quantos recebem?
Mais de 21,1 milhões de beneficiários receberam, em média, R$ 670,33 no primeiro mês do novo Bolsa Família. Os pagamentos incluem os R$ 150 do Benefício Primeira Infância, para crianças de 0 a 6 anos

Como receber?
É preciso estar inscrito no Cadastro Único, com os dados corretos e atualizados. O cadastramento é feito em postos da assistência social dos municípios, como os Cras, apresentando CPF ou título de eleitor

Fonte: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

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