Técnicos do TCU rejeitam trato que adia repasse do BNDES ao Tesouro
O banco propôs o parcelamento de R$ 22,6 bilhões remanescentes em oito prestações de R$ 2,9 bilhões anuais, a serem pagas entre 2023 e 2030
A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou a rejeição do pedido do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para rever o cronograma de devolução de repasses irregulares feitos pelo Tesouro Nacional em gestões anteriores do PT.
A instituição propôs o parcelamento de R$ 22,6 bilhões remanescentes em oito prestações de R$ 2,9 bilhões anuais, a serem pagas entre 2023 e 2030.
O objetivo é manter recursos em caixa para permitir a concessão de novos empréstimos sem o risco de precisar captar recursos no mercado, com custo maior para o banco.
Em um posicionamento duro, os auditores afirmam que o tema já foi julgado pelo TCU e que o BNDES não demonstrou razões suficientes para fundamentar o pedido de renegociação.
A solicitação ainda será analisada pelo plenário da corte de contas, que pode decidir de acordo com a área técnica ou divergir, autorizando a repactuação.
Sem mudanças, o prazo de vencimento da última parcela ocorre no próximo dia 30.
Para os técnicos, já está pacificado que não há nenhuma vinculação entre o retorno dos empréstimos concedidos aos cofres do banco e a devolução dos valores do Tesouro que serviram de lastro para as operações.
Eles entendem que os aportes irregulares devem ser devolvidos o mais rápido possível, respeitados os critérios regulatórios e de liquidez mínima dos bancos.
“Não se afigura razoável o simples reparcelamento do valor da devolução que estaria programada para este ano por mais oito exercícios financeiros”, diz o documento, obtido pela Folha.
“Não tendo ocorrido mudança nas premissas que orientaram a elaboração do cronograma anterior, a alteração pleiteada não pode ser considerada como adequadamente motivada.”
Procurado, o BNDES afirmou que a instituição e o Ministério da Fazenda “chegaram a um acordo em que a devolução ocorreria de modo que não houvesse descasamento entre as operações já realizadas pelo banco e a devolução dos valores finais, em oito parcelas até 2030”.
O banco reconheceu que o acordo ainda precisa ser homologado pelo TCU, mas ressaltou que a manifestação da unidade técnica constitui “subsídios iniciais” para o encaminhamento do tema pelo ministro-relator, “que forma sua livre convicção independente” antes de encaminhar o tema ao plenário.
A instituição não respondeu sobre o pagamento de 30 de novembro, caso o plenário mantenha o entendimento dos auditores.
“Tais recursos são fundamentais para atender o aumento da demanda de crédito e de desembolso do BNDES e não incidem sobre as metas de resultado primário do Orçamento”, diz o banco.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é defensor de um maior papel do banco na concessão de empréstimos e já defendeu a retomada de financiamentos a projetos no exterior.
O TCU vem sustentando uma posição dura contra o banco. No fim de 2022, ministros chegaram a dizer que a instituição demonstrava “persistente relutância” em cumprir determinações do tribunal.
O banco já tentou, no ano passado, alegar que a restituição mais veloz dos valores levaria à necessidade de captar recursos no mercado (a uma taxa de juros maior) ou vender ações de empresas que estão na carteira do BNDESPar, braço de participações da instituição.
A instituição também argumentou que pode sofrer prejuízos com o repasse dos valores ao Tesouro, uma vez que parte dos empréstimos financiados com os aportes feitos no passado ainda está em andamento.
Os auditores do TCU refutaram as alegações, destacando que o próprio tribunal já decidiu sobre o tema.
“Observa-se, ante os documentos encaminhados pelas instituições financeiras, que algumas delas parecem não ter bem compreendido que a devolução determinada por meio do Acórdão 56/2021-TCU-Plenário implica, necessariamente, em decréscimo patrimonial”, diz a área técnica.
“Os instrumentos financeiros a que se referiu o TC 010.173/2015-3 [processo que analisou os aportes nos bancos públicos] são exatamente aqueles que foram utilizados para inflar o capital das instituições financeiras controladas e a declaração da nulidade das operações implica a devolução dos tais instrumentos financeiros”, afirma.
Os auditores também criticaram o “acordo” firmado entre Fazenda e BNDES.
Nos últimos anos, as equipes econômicas das gestões Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) tiveram uma atuação firme no TCU para assegurar a devolução célere dos recursos, uma vez que a medida contribui para reduzir a dívida pública do país.
Diante do novo pedido do BNDES, porém, o Ministério da Fazenda de Fernando Haddad reviu sua posição.
Os auditores relatam na peça que o Tesouro enviou ofício em que “não teria registrado óbice à repactuação pretendida”, caso o TCU autorizasse a mudança.
“Ressalta-se, todavia, que a devolução dos recursos em questão não é uma mera disponibilidade da qual a União pode renunciar em benefício da instituição financeira de fomento por ela controlada”, afirma a nota técnica.
“[A devolução dos recursos] É a correção de uma irregularidade grave, que poderia ter sido corrigida de forma mais célere, não tendo sido apresentados quaisquer motivos que justificassem a protelação do retorno ao status quo anterior.”
O BNDES diz, em nota, que um acórdão do TCU já estabelece que a devolução ocorra “de acordo com cronograma pactuado entre o Tesouro Nacional e o BNDES”, o que, na visão do banco, abriria possibilidade para renegociação, uma vez que há concordância do Executivo.
“O novo cronograma foi pactuado visando a preservação de capacidade do BNDES de realizar investimentos em setores estratégicos como transição energética, sustentabilidade ambiental, indústria, agricultura, micro e pequenas empresas, cooperativas, além de demandas de infraestrutura de estados e municípios”, afirma a instituição.
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